´O circo nunca morre´ (Didi 50 anos

18/11/2010 11:08

Aos 75 anos, Renato Aragão comemora o cinquentenário de Didi, acredita que é mais difícil fazer humor atualmente e diz que continuar criando é a sua vida

Ator, humorista, diretor, escritor e, sim, advogado poderia passar por mais um pai de família que, depois de tantos anos de trabalho, já aproveita os benefícios de uma merecida aposentadoria. Mas Aragão não sossega. Lê, escreve, faz graça.

Mesmo depois de sofrer um sério acidente de trabalho: "Me afundou a testa, quebrou meu nariz e até os dentes". Ainda assim, ele insiste em brigar contra o tempo.

Quer fazer mais, criar mais, ainda que para isso tenha que contrariar orientações médicas e o peso da idade que ele afirma sequer lembrar. "O circo nunca morre", justifica. Difícil contrariá-lo diante desse argumento e, principalmente, diante de sua obra que, hoje, tem papéis que se confundem: nascido há exatos 50 anos, Didi Mocó Sonrisépio Colesterol Novalgino Mufumbbo é criador e criatura.

"Os tempos mudaram. Hoje, há mais adrenalina. Mas preferia antigamente", confessa, ressaltando que não é do tipo nostálgico: "Não fico saudosista. Sou feliz pelo que fiz, não posso consertar o que fiz de errado ou melhorar e aplaudir o que fiz certo. Não me preocupo com o passado, penso no futuro. Sim, guardo meus troféus. Mas, se me preocupar com isso, vou junto com eles. Tenho que pensar para frente. Isso é vida, criar para mim é vida".

Vivos na memória de muitos adultos que hoje recorrem ao YouTube para ver Didi como Maria Bethânia ou Ney Matogrosso - "Nunca me vi no YouTube, acredita?" - , "Os trapalhões" marcaram época nos 60 anos da televisão brasileira. Em sua formação clássica, com Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias, o programa elevou o humorista à condição de estrela.

O início

A trajetória, que começou na TV Tupi, seguiu pela Excelsior, ainda com Wanderley Cardoso, Ted Boy Marino e Ivon Curi, passou pela TV Record e pela nova Tupi para, finalmente, aportar na Globo em 1977. Para aceitar a proposta da emissora, que até hoje abriga seus programas (a lista atualmente é formada por um semanal, um seriado anual e um especial de fim de ano, além do "Criança esperança"), Aragão fez uma série de exigências. A ideia era assustar o novo empregador. O plano não deu certo e o contrato foi assinado.

"O começo foi difícil. Não tínhamos contratos longos, era um ano e tchau, tchau. Você vivia de cachê, aqui e ali, fazia um filme para ganhar um dinheiro e conseguir sobreviver. Mas isso até você se firmar, que é quando se cria um interesse geral das emissoras e você é respeitado", filosofa.

Futuro

Agora, o tempo é de modernização. Ligado em novas tecnologias, ciente da mudança do perfil das crianças, ele tenta se adequar a elas. Vê séries, filmes infantis, fica de olho na internet. Foi assim que surgiram seriados como "Poeira em alto-mar", que inicialmente seria um filme, e "Acampamento de férias", cuja segunda edição vai ao ar no início de 2011, durante as férias escolares.

"A criança muda a cada dia. A internet é uma concorrência. Elas estão no YouTube, tenho que trabalhar para que venham para a TV. Estamos vivendo num momento muito difícil, de transição na televisão. Ninguém sabe o caminho daqui para a frente, diante da tecnologia e da internet. Não sei o que vem, mas o que vier eu traço. Estou preparado".

Segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine), dos 20 filmes mais assistidos no Brasil desde 1970, 12 foram de Renato Aragão. "O trapalhão nas minas do Rei Salomão", de 1977, está em quarto lugar na lista, com 5,8 milhões de espectadores. Mas, com tanto trabalho na TV, o cinema acabou ficando em segundo plano. Por enquanto. "De 47 filmes, acho que escrevi 40. Sempre acho que as ideias acabaram, mas, de um dia para o outro, elas vêm", afirma.

Para os da poltrona

Desbocado, mas com um humor ingênuo, Didi Mocó completa 50 anos com a popularidade ainda em alta. Duvida? Basta reparar em quantas pessoas ainda dizem "cuma?", "aguarde e confie" ou a máxima "assim como são as pessoas são as criaturas", seus bordões de outras épocas. A trajetória do palhaço moderno na TV acompanha também uma mudança geral no jeito de fazer o público rir.

Hoje, as piadas podem até ser diferentes. Mesmo assim, Didi continua atrapalhado, desastrado e infantil, mas sempre galanteador e ao lado de moças bonitas.

O cinquentenário de Didi vai ser comemorado com um especial de fim de ano na TV Globo, ainda sem data. As surpresas não serão apenas para o público: o próprio Aragão diz que não sabe o que estão aprontando para ele - ou melhor, para Didi.

"Só sei que vou dar uma entrevista. O resto vou ver na televisão. Sou muito bobo com emoção, eu choro. Quero me segurar e não consigo. Não é qualquer um que aguenta uma carga dessas de emoção, ver as pessoas falando de você. É muito difícil me controlar", confessa.

Na fase de ouro de "Os trapalhões", Aragão chegou a interpretar outros personagens, como o Soldado 49, Aparício e o anão Ananias. Mas Didi sempre foi o mais querido, com suas paródias e seu jeito peculiar de falar, inspirado em algumas expressões do Nordeste - o humorista veio de Sobral, no Ceará, onde trabalhava como bancário antes de estourar. O ar politicamente incorreto era uma marca do programa, que, ele acredita, não pode ser mantido nos dias de hoje.

"Não dá mais para fazer o que ´Os trapalhões´ faziam. Ninguém tinha a intenção de ofender ninguém, era um circo. Eu chamava o Mussum de negão, ele dizia ´negão é o teu passado´ e me chamava de paraíba. Isso era no limite do carinho. Hoje, você não pode mais falar isso. Os tempos mudaram, e está certo, acho que tem que ter respeito. Mas para o humor é algo que vai algemando a gente cada vez mais. Você não sabe o quanto me policio nos textos", explica.

Nos 50 anos de Didi, é difícil desassociar o personagem de seu criador. Quem subiu no Cristo Redentor, em 1991, durante o "Criança esperança", foi Didi ou Aragão? Para o humorista, foram os dois.

"Já misturou o Didi com o Renato Aragão. E muita gente confunde, hein? Muita gente acha que eu estou ali pronto para derrubar uma banca de jornais, para mexer com as pessoas. Aí sentem a diferença do Didi da televisão para a pessoa comportada que eu sou. Dizem que eu sou sério", reflete Aragão, garantindo que não se incomoda quando o chamam pelo nome do personagem. "O tempo passou, e agora já misturou tudo. O Didi passou na frente do Renato Aragão. Não tem mais como separar".

TATIANA CONTREIRAS
AGÊNCIA O GLOBO

 

 

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