Os Insociáveis

 

"Temos que pensar como a televisão pode ser bilateral, tendo no seu espectador não um elemento passivo, que meramente absorve aquilo que ela determina, e sim alguém que a influencia nos caminhos que ela deve pretender ou tentar seguir".

(Walter Clark, em trecho do livro Pais da TV)

 

A essa altura, estamos em 1970. A televisão já fazia parte da residência de 27% dos brasileiros. Em setembro, dez anos após sua abertura, a TV Excelsior fechava definitivamente as portas, enquanto a Globo, criada em 1965, começava a assumir a liderança da audiência em alguns horários.

Na outra grande emissora da época, a Record, Renato e Dedé tiveram uma grata surpresa quando foram chamados pelo diretor Paulo Machado. "Chamei vocês para saber o que estão fazendo em um programa dos outros", revelou o diretor à dupla. Claro, ele estava se referindo ao programa A Praça da Alegria, como vimos.

Começava ali mais um capítulo importante na historia da formação de Os Trapalhões.

"Quando vi que ele havia gostado do nosso trabalho, olhei para o Renato com cara de surpresa e pensei: Esta é a nossa chance'." Machado lhes deu liberdade para protagonizarem um programa próprio, rompendo, assim, as amarras com o banco da praça.

A liberdade, no entanto, não foi total.

Dedé e Renato já tinham o nome para esse programa: Os Trapalhões, sem o adjetivo Adoráveis dos tempos de Wanderley Cardoso & Cia. "Apresentamos ao Machado a ideia do programa receber esse nome, mas, infelizmente, ele tinha outros planos", relembra Dedé. E, assim, nasceram na TV Record, Os Insociáveis. "Os Trapalhões está ultrapassado, e um nome superado e vencido", teria dito Machado, conforme lembra bem Emanoel Rodrigues.

"Caraca, que nome horrível. Nem minha mãe vai querer assistir um programa com esse nome" - isso era algo próximo do que Renato e Dedé pensaram quando souberam da decisão.

 

O nome

Ludwig Mies Van der Rohe (1886-1969) foi um arquiteto alemão considerado um dos principais nomes da arquitetura de seu país no século XX. Esse alemão - que não tem nada a ver com a evolução de Os Trapalhões — foi o autor da profética sentença: "Deus está nos detalhes". A frase serve como metáfora para incontáveis fatos, valores e discussões. Transportando-a para o nosso livro, vemos como as pequenas decisões ganham importância. Pequenas, mas que com o passar dos anos podem se tornar de suma importância para a continuidade de algo ou alguém.

No momento em que Wilton Franco, sem muitas pretensões, pensou no nome de seu programa, ainda na TV Excelsior, mal sabia que criava mais do que uma atração televisiva: criava uma alcunha praticamente sem data de validade, quase uma instituição.

Já não temos quadros inéditos do grupo no Brasil desde os especiais dos Trapalhões, em 1995. Porém, mesmo para a nova geração, que não o acompanhou, é natural dizer "os trapalhões" e fazer menção automaticamente ao grupo. Algo que só acontece com formações do porte de Os Três Patetas ou 0 Gordo e o Magro, ícones do humor global.

O Dicionário Aurélio define "trapalhão" como "aquele que se atrapalha facilmente, ou que atrapalha tudo".

E, se hoje o adjetivo trapalhão já nos remete ao grupo, em 1970 não era muito diferente. Segundo Dedé, era comum ele ser chamado pela sua alcunha famosa, quando, na verdade, estrelava um programa com o surreal nome de Os Insociáveis. "O pessoal me via na rua e gritava 'Olha o Dedé, dos Trapalhões”, conta.

Apesar do nome, Renato e Dedé estavam animados com a futura estreia da atração. Porém havia um desafio maior: com duração de uma hora, eles estavam preocupados com o elenco reduzido. Roberto Guilherme também estava com eles - um dos espaços de Os Insociáveis seria dedicado a um quadro chamado "Quartel do Barulho". Mas ainda era pouco.

Os Trapalhões, então, iriam buscar no cenário musical mais uma contribuição ao grupo. Contribuição fundamental, que arrancaria gargalhadas, mesmo entre seus "coléguis".

Luis Joly e Paulo Franco