"Os quatro... Alguma coisa!"

 

"O Ted Boy Marino era sempre o mais aplaudido. Ele era sempre o último a entrar. Entrava primeiro, o Ivon Cury, depois, o Renato Aragão, eu, e, por último, o Ted. Aquela loucura, a mulherada até se rasgava por ele."

Wanderley Cardoso

 

Com o aval do diretor-geral da Excelsior, Miguel Gustavo (que, por curiosidade, é o compositor do famoso jingle "90 milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração..."), e de Wilton Franco, Renato encarregou-se, também, de escrever o roteiro do novo programa, com o apoio de  Emanoel Rodrigues  (apoio que, por sinal, durou até o fim de Os Trapalhões, em sua formação mais famosa, e seguiu com Renato Aragão em seu programa solo).

Rodrigues, aliás, também teve importância no desenvolvimento dos personagens. Com exceção de Didi, ele foi o responsável pelo estilo dos outros três que dividiriam o palco com Renato no programa da Excelsior. “Fui o responsável pela colocação dos personagens, pelo estilo de cada um”. O Ivon Cury, que tinha aquele vozeirão, era o mendigo filosofo aquele que equilibrava as ações de todos. O Ted Boy Marino era o herói, que defendia todos na base da briga. O Renato era o ‘gaiato’ e o Wanderley Cardoso era o galã e cantor”, conta.

Imagine as encrencas que eles arranjam...

 

Quando os astros se encontram

 

Elenco escolhido, roteiro pronto, datas agendadas, valores e detalhes em dia. Tudo corria conforme o esperado, mas, antes que o primeiro episódio fosse ao ar, faltava ainda algo fundamental para qualquer show de televisão: o nome do programa. Novamente, o crédito coube a Wilton Franco, que nos relembra como chegou ao nome que passaria para a história da televisão brasileira.

 

"Para a primeira história que foi escrita, ainda não havia um nome definido. 'Os Companheiros', 'Os Quatro não sei o que', mas eu não estava satisfeito. Eu percebia que os quatro iriam fazer muitas trapalhadas, quatro enrolados", conta. A primeira história a que Wilton Franco se refere trazia no roteiro uma moça ceguinha que precisava fazer uma cirurgia, e era vizinha justamente dos quatro protagonistas.

 

No episódio, cada um deles, a sua maneira preferida, tentou arrecadar o dinheiro para a pobre enferma. "O Wanderley foi cantar num aniversário, o Ted foi fazer uma luta pra conseguir dinheiro, O Ivon Cury foi trabalhar como garçom e o Renato ficou como auxiliar dele. Então, eu pensei: 'Esses quatro trapalhões são muito atrapalhados.”' Pensa daqui, remói dali, Wilton Franco chegou ao nome Os Adoráveis Trapalhões - que, anos mais tarde, viraria somente Os Trapalhões.

 

Vale registrar que Wilton Franco, apesar de ser o legítimo criador do nome, jamais o registrou, ou algo assim. "Não vivo do passado", explica.

 

Quase mudou tudo

Sobre os primeiros episódios, Emanoel Rodrigues se recorda com detalhes de um fato que poderia ter mudado, inclusive, o formato do programa. Isso teria ocorrido, segundo ele, em uma das primeiras gravações com casa cheia, alta diretoria da Excelsior e tudo, no teatro do Rio de Janeiro.

"O programa estava pronto pra entrar no ar, já que era ao vivo. No último minuto, houve um problema no cenário, que não ficou completo, então, o programa não podia ir como ele era, ou seja, com uma história, uma comedia". Aquela altura seria impossível o programa não ir ao ar - audiência e plateias esperavam com alta expectativa. "Não tinha jeito, tinha que ir ao ar. Então, o Wilton Franco entrou como uma espécie de 'ancora' do show e saiu apresentando cada elemento do programa: Renato Aragão, Wanderley Cardoso, Ted Boy etc.”.

Cada um que entrava em cena conversava um pouco com o próprio diretor e com a plateia. "O Renato fazia uma palhaçada, o Wanderley cantava uma musica, e assim por diante", relembra Rodrigues. Desse modo, o quarteto fez um show de estreia no Rio de Janeiro em outro formato, sem roteiro nem história apenas com piadas individuais - logicamente, saindo totalmente do esquema original, que incluía uma história com roteiro e textos decorados.

"Quando chegou ao final do programa, foi um sucesso. Auditório lotado, aquele dia de gala... foi sensacional", diz Emanoel. Depois, fecharam as cortinas, desligaram as câmeras, e fim do espetáculo. Eis que Wilton Franco resolve que aquele formato tinha saído melhor que a encomenda. "Esse é o esquema que vamos fazer esse é o esquema, ficou ideal!", lembra-se Emanoel Rodrigues, reproduzindo as possíveis palavras de Franco.

Foi criada a polemica. Qual seria o formato definitivo do show? Nos bastidores, estavam presentes a direção da TV Excelsior, Wanderley Cardoso, o empresário de Wanderley, Wilton Franco, Renato Aragão e Emanoel Rodrigues. Na falta de uma decisão comum, o jeito foi apelar para a votação. Quando chegou a vez de Emanoel votar, ele desabafou e expressou sua preocupação: "O esquema tem que ser o original, nos trabalhamos, montamos e ensaiamos, é o certo". O redator convenceu o resto da trupe, e Trapalhões, naquela época ainda com o adjetivo Adoráveis, seguiu no formato de programa que o consagraria.

Wanderley se lembra com detalhes do momento em que Wilton Franco anunciou o nome da atração ao elenco. "O Wilton resolveu na hora [da gravação] do programa, ele disse: ‘Descobri o nome do programa: Adoráveis Trapalhões'. Todo mundo gostou, aprovaram e aplaudiram na hora."

O cantor também se lembra da dificuldade em decorar os montes de textos (em papeis que ele guarda ate hoje) e como Renato ajudava. "Houve muitos erros, o Ted Boy Marino tinha que falar uma coisa e falava outra...”.

"O Renato era o rei do improviso. Eu tinha muitas dificuldades com o texto, já que não era a minha área. Quando o Renato via que eu estava em dificuldades, ele já completava para mim, ate mesmo porque ele ajudava a escrever o roteiro e conhecia bem as falas", conta Wanderley. Já para Ted Boy Marino, como dissemos anteriormente, a dificuldade começava com o idioma. Italiano e tendo vivido em Buenos Aires, seu portunholiano (seria algo assim?) era um show a parte. Apesar de o programa ser dirigido ao Wanderley, quem se destacava muito era o Ted Boy Marino. Logicamente que o sucesso era ainda maior com as mulheres, por causa do porte de lutador de Ted.

Ao longo dos primeiros meses de exibição, ficou bem claro o potencial de sucesso da serie. E, também, o dom que Renato, que escrevia os roteiros junto com Emanoel, possuía para o humor. Os episódios quase sempre giravam em torno das canções executadas pelo galã Wanderley Cardoso. Isso, porém, não impedia que algumas coisas dessem errado.

Em primeiro lugar, com a censura. "Devido ao improviso e ao calor de ser gravado ao vivo, com plateia, muitas vezes falávamos demais", revela Wanderley Cardoso. Em um episodio, por exemplo, Ted Boy Marino, com seu sotaque, pergunta a Renato: "Quien é bocê?” com um "b" bem carregado. Renato, então, respondeu: "Quien é boce... ta?” arrancando gargalhadas da plateia. Apesar dos risos, a emissora enfrentava diversos problemas com a censura quando casos como esse ocorriam.

Com a popularidade em alta e o programa dando uma media de 50 pontos de audiência, não restou à concorrência outra solução a não ser desmontar o programa com ofertas tentadoras. E, assim, Ted Boy Marino foi chamado para lutar em outros ringues, na recém-nascida TV Globo. A emoção foi enorme com a saída do lutador. "Fizeram um programa de despedida, mas eu mal conseguia falar”, conta emocionado, o lutador, praticamente um "garanhão italiano", como o Rocky Balboa dos cinemas.

 

A Trapalhona

Com a saída de Ted Boy, Wilton Franco precisou fazer remodelações na atração que comandava. Devido à popularidade do lutador, era difícil encontrar alguém parecido.

O diretor resolveu, então, recorrer a um toque feminino. E, para encontra-lo, mais uma vez usou o concorrente da Record, com o movimento da Jovem Guarda. "Havia uma jovem cantora que parecia ter muito talento, achei que poderia contar com a presença dela no programa", conta Franco.

A cantora a que ele se refere é Vanusa, que então fazia sucesso com Pra Nunca Mais Chorar, um hit dedicado aos românticos de plantão. Com a mudança, o elenco inicial de Os Trapalhões já sofria sua primeira alteração na formação original, apenas alguns anos após a criação.

Vanusa, obviamente, diminuiu a audiência feminina do programa, mas, certamente, atraiu a masculina — a começar pelo próprio elenco. "Cheguei a namorar com a Vanusa e fazer outros programas com ela posteriormente", conta o cantor bom rapaz - bom, também, para a cantora.

Luis Joly e Paulo Franco