Entrevista

 

Wilson Iguti e Wesley Iguti

Entrevista com os mestres das modelagens

 

(Wilson) O senhor tem este maravilhoso talento e desenvolveu desde cedo através de desenhos. Quais eram os personagens que o senhor se inspirava para os primeiros passos de sua carreira?

Quando comecei na década de 70, os meus personagens favoritos eram os que eu gostava e acompanhava na minha infância no Paraná, então era os da Disney, o Mickey, Pato Donald, Pateta, Minnie entre outros.

(Wilson) Sua primeira experiência tridimensional foi desenvolvida na oficina de seu pai. O senhor se recorda de detalhes desta primeira vez? Foi esculpido algum personagem, ou objeto?

Na verdade não era personagem.  Naquele tempo os móveis eram esculpidos, as camas e os guarda roupas tinham testeiras com relevos. Um dia um funcionário do meu pai faltou ao trabalho, o que poderia atrasar a entrega do móvel. Perguntei para meu pai se poderia tentar fazer e acabei conseguindo. Levando isso em conta, o meu primeiro teste não foi um hobby, podemos considerar que já foi um “trabalho remunerado” para minha família.

(Wilson) Nos tempos de técnico contábil, durante uma conta ou outra no papel, o senhor tinha o hábito de desenhar no trabalho? Chegou a desenhar amigos de trabalho?

Sim, gostava de fazer brincadeiras com meus amigos, desenhando caricaturas deles. Mas os que eu mais fazia era desenhar os motoristas e cobradores de ônibus. Com isso eles nunca cobravam e nem me deixavam pagar a passagem.

(Wilson) Em sua história / carreira, nota-se um fato muito interessante em sua passagem pela escola “Pan-americana de artes” em 1974, onde por indicação de professores, o senhor foi trabalhar como responsável pela modelagem dos personagens “Disney” e “Turma da Monica”. Como foi para o senhor e sua família ver este merecido reconhecimento de seus professores e da empresa? Detalhe para nós sobre este momento!

Em 74, depois de passar pelas mãos do professor José Lanzelotti, consegui um emprego em uma empresa de vacuum-forming (displays plásticos com relevos) chamada Duplex, onde eu fazia as esculturas dos personagens da Disney e Turma da Mônica em relevo.

Alice Takeda, Mauricio de Sousa e Wilson Iguti

 

Esse período foi ótimo porque já entrei ganhando o dobro, e fui bastante reconhecido pelo dono da empresa “Nathan Kertzer”, que me deu várias oportunidades de crescimento na área pois a empresa era uma verdadeira escola. Depois disso, entrar na área de brinquedos foi consequência. Fui muito disputado pela qualidade dos meus trabalhos, que resultaram em algumas mudanças de empresas e reconhecimento financeiro.

Modelagem para Vaccum Forming

 

(Wilson) Durante este período nesta empresa, surgiam trabalhos fora (trabalhos particulares sem vinculo a empresa)?

Sim. Quando mudava de emprego, a empresa anterior me procurava para que eu fizesse alguns trabalhos especiais tanto artisticamente quanto tecnicamente. As empresas de licenciamento exigiam melhor qualidade na modelagem e, com isso, depois de algum tempo eu continuava empregado embora trabalhando em paralelo para várias outras empresas como free lancer.

Wilson fazendo modelagem para vaccum-forming

 

(Wilson) Com todo o reconhecimento e a excelência nos desenvolvimentos de personagens queridos pela criançada, havia uma grande pressão dos solicitantes, ou o trabalho era tranqüilo?

Na verdade pressão sempre existiu, principalmente quando você tem uma data definida para o lançamento do produto.  Muitos estão relacionados, por exemplo, a eventos como lançamento de filme ou datas especiais, mas sempre prezei pela qualidade em primeiro lugar. Conseguia atender a todos trabalhando algumas horas a mais do horário comercial.

(Wilson) Como surgiu a idéia de montar a empresa “Iguti” em 1983?

A idéia surgiu após uma simples conta matemática: Eu estava lucrando mais como free-lancer do que como um diretor de arte assalariado.  Para conseguir atender a todos os clientes sem prejudicar a empresa onde eu trabalhava decidi abrir a empresa. Assim, poderia atender a todos sem fugir da ética profissional.

(Wilson) Quais foram seus primeiros clientes nesta nova jornada? Alguns clientes da antiga empresa seguiram sua nova jornada?

Consegui manter todos os clientes antigos fidelizados, o que ocasionou muitas outras oportunidades através da propaganda boca a boca. Várias empresas de renome na época começaram a me procurar, como por exemplo, a Estrela, a Mimo, a Glasslite entre outros. Quando você recebe indicação de alguma empresa através da qualidade de seu trabalho, 90% já estão garantidos. Você só precisa atender esse novo cliente da melhor maneira possível.

Local do primeiro Studio Iguti

 

(Wilson) Além da Turma da Monica e personagens da Disney que lideravam o mercado de brinquedos, quais foram os primeiros grandes sucessos já na empresa “Iguti”?

O primeiro estouro na verdade foi uma grande coincidência.  Fui procurado em 1987 para modelar um projeto dos Trapalhões, e tive que apresentar os protótipos para a empresa de brinquedos MIMO, em Itú.  O gerente de marketing gostou tanto do meu trabalho que solicitou uma reunião particular sem os representantes deles. Nessa reunião ele me contou que estava com uma grande pendência e precisava resolver imediatamente: era a escultura da boneca fashion doll da Xuxa. O projeto, que demandou bastante investimento, estava parado devido a conflitos entre um escultor que estava fazendo a cabeça da boneca e a empresária da Xuxa na época. Fizemos um contrato em que eu ganharia um valor fechado pelo projeto e mais um valor diário em dinheiro, para acompanhar a Xuxa onde ela estivesse, independente da rotina, até a modelagem da boneca ser aprovada. Foi o maior sucesso até hoje pois foram vendidas mais de 1 milhão e meio de bonecas em um ano. Desde então, esculpi quase todas as bonecas de celebridades lançadas no Brasil.

Wilson e Xuxa

 

(Wilson) Em 1987, os humoristas que integravam o quarteto “Os Trapalhões” ganhavam novos traços como crianças sob criação do desenhista Cesar Sandoval para produtos infanto-juvenis. Em 1988 a brinquedos Mimo lançou os bonecos, criados e modelados pelo senhor. Como surgiu o convite, e como foi o desafio?

Essa foi mais uma coincidência.  Um dos artistas que trabalhava com Cesar Sandoval me indicou porque conhecia meu trabalho, do tempo em que ele havia sido desenhista da Mauricio de Sousa Produções. O desafio foi grande na época pois há uma grande dificuldade em transformar personagens tão conhecidos e queridos em desenhos estilizados, tanto que na época houve uma seleção de escultores.  Deram as artes para vários modeladores para então selecionar um para o projeto.  Dentre vários, dois ou três estava com a qualidade que eles necessitavam, e então o meu trabalho foi o escolhido. Isso por causa de uma diferença, que nós orientais chamamos de “Kawaii”.  Traduzindo: fofinho e bonitinho.

(Wilson) Dos quatros personagens, qual foi o mais trabalhoso? Conte-nos detalhes desta produção!

Com certeza foi o Didi, pois ele como líder do grupo, sempre foi muito exigente em tudo que se fazia.  O mais engraçado era o Zacarias, que era totalmente diferente do que a gente via na tela, ele era muito interessado no processo de produção. Eles eram muito divertidos mesmo fora das gravações. Foi muito legal conviver com eles durante o período de aprovação. Me lembro de uma gravação na floresta da Tijuca onde eles, junto da Luma de Oliveira, simulavam um salto de paraquedas. Para gravar a cena cada um ficou preso dentro de uma caixa de madeira.  Eles gravaram e depois fingiram que as cenas não tinham ficado boas, para pregarem uma peça na Luma. Pediram então para ela entrar novamente na caixa e, assim que ela entrasse, teriam que rolar a caixa e ela sair em seguida. Só que o Didi travou a tampa da caixa prendendo ela dentro. Ela começou a gritar por socorro e somente após alguns minutos eles abriram a caixa.  Ela xingou muito o Didi e todos rimos muito da situação.

(Wilson) Os próprios Trapalhões participaram do desenvolvimento, dando detalhes, ou veio apenas detalhes dos desenhos para o desenvolvimento?

Todos participaram.  Cada um aprovando seu próprio modelo e o Renato dando o veredicto final.

(Wilson) O senhor teve contatos diretos com os humoristas Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias? Caso sim, como foi à reação deles ao ver o resultado?

Tive contato com todos inclusive com o filho do Renato Aragão. Paulinho tinha um peso grande dentro dos estúdios RA produções. A reação foi muito engraçada, pois o Renato Aragão aproveitou para tirar um sarro da cara dos outros três.  Pediu um pouco de massa de modelar e começou a acrescentar algumas partes da anatomia dos amigos.  No Mussum ele aumentou as nádegas dizendo que estavam muito pequenas e nos outros, bem, nos outros não vou poder dizer...rs

(Wilson) O senhor recebia porcentagens pelas vendas, ou apenas participou dos lucros de criação?

Nesse processo de licenciamento eu não participo.  Eu ganho somente o valor referente à escultura dos personagens. Meu vinculo não é com os personagens ou a celebridade em si e sim com a empresa que vai produzir os bonecos.

*(Wilson) Os personagens da Turma da Monica, Disney, Fofão, Xuxa, entre outros, teve outras produções de bonecos como, por exemplo, o “Fofão baby” e outros lançamentos da boneca Xuxa. Com “Os Trapalhões”, teve algum projeto para seqüências de lançamentos de bonecos?

Havia no projeto a intenção de lançar duas linhas de produtos dos Trapalhões com a mesma modelagem: todos com calças compridas para uma linha e outra menos formal com bermudas, onde teriam alguns acessórios como skate, prancha de surfe entre outros.  Só que os personagens tinham as pernas curtas e no desenvolvimento das roupas de tecido a diferença entre uma calça comprida e a bermuda praticamente não existia.  Então foi sugerido ao desenhista Cesar Sandoval que aumentasse as pernas dos personagens em 1cm, mas ele achou melhor não mudar as proporções dos personagens. Assim, a segunda linha de produto acabou sendo descartada. 

*(Wilson) Na page da “Iguti” no Facebook, vimos as postagens de uma outra produção de bonecos articulados envolvendo os personagens “Os Trapalhões”. Inclusive um grande destaque nesta produção era o fato da peruca do Zacarias poder ser retirada como acontecia com o personagem na realidade.

Conte-nos com detalhes (por favor), como foi esta criação? Foi solicitação da empresa (Mimo) ou dos próprios Trapalhões?

Essa ideia foi do Didi, ele que nos perguntou se não teria como fazer a peruca sair. Depois de uma reunião com os técnicos da Mimo, resolvemos fazer a peruca subir e descer apertando a barriga dele.  No final não tivemos como fazer esse mecanismo para o movimento da peruca porque na época havia um impedimento na área de segurança do brinquedo em relação a isso. Peças soltas eram proibidas.

*(Wilson) Pelas fotos, parecem ter sido produzidos, mas não lançados. Isto procede?

Na verdade, os bonecos dos Trapalhões não chegaram nem a ir para a linha de produção. Após todo o projeto ser aprovado eles tiveram algumas divergências, o grupo acabou se separando por um certo tempo e com isso o lançamento teve que ser suspenso. Uma grande pena pois acho que teria sido um grande sucesso.

 (Wilson) Como foi para o senhor a primeira experiência de ter a ajuda de seu filho Wesley na produção da coleção “Dinossauros” da mimo?

Foi uma revelação pra mim pois eu não tinha noção até aquele momento das suas possibilidades como modelador.  Ele se ofereceu pra modelar, vendo a minha preocupação com os prazos de entrega, e conseguiu com muitos méritos.

Wesley Iguti trabalhando

(Wesley) Como surgiu a vontade de seguir os passos de seu pai?

Eu acho que foi mais uma consequência do que necessariamente uma vontade. Eu vivia em um ambiente cheio de arte por causa do meu pai, eu também gostava muito de desenhar e de acompanha-lo trabalhando. Quando eu não ia junto com ele ao trabalho eu ficava em casa desenhando. Ele me dava carrinhos e eu sempre desmontava, olhava a parte interna, montava e ficava observando o funcionamento das rodinhas. Um dia quando ele voltou pra casa e eu tinha desenhado todas as vistas do carrinho: frente, laterais, traseira, parte de cima e debaixo. Meu pai disse que se surpreendeu e começou a me dar com mais frequência massa de modelar para brincar e, por influência da TV, acabei fazendo o símbolo da Globo em 3D. Anos depois ele começou a me deixar fazer partes dos processos, não forçadamente e sim por curiosidade de uma criança em querer conseguir fazer as mesmas coisas que o pai.

Wesley frequentando o studio

 

Durante as férias escolares eu o ajudava, até que teve uma crise econômica aqui no Brasil e meu pai teve que dispensar os funcionários, ficando sozinho justamente quando tinha acabado de dar entrada no imóvel onde atualmente funciona a empresa. Logo eu e minha irmã mais velha Akemi começamos a vir todo dia ajudá-lo nos trabalhos, isso sem contar a minha mãe. Ela sempre ajudou ele e nos ajuda até hoje, fazendo o primeiro atendimento, pintando bonecos, desenvolvendo as partes de tecido quando o projeto exige etc.

Akemi experimentando uma fantasia da Mônica confeccionada por Izabel

 

(Wesley) Qual foi à reação de seu pai ao ver seu primeiro trabalho realizado totalmente por você aos 14 anos? (personagem Taupy’s)

Taupys

Não foi surpreendente pra ele porque eu já fazia todos os processos, a diferença foi que nesse participei de todas as etapas de um único produto. Mesmo este projeto sendo feito por mim, não deixou de ter a supervisão dele. Como outras tantas modelagens, ora ele me corrigia, ora ele só me explicava. Eu acho que o surpreendi mesmo quando eu tinha uns 9 anos. Eu gostava muito de dinossauros, robôs e naves, tanto que ele me dava liberdade de ver os livros dele a hora que eu quisesse. Lembro até hoje que ele tinha um livro com artes aerografadas de naves espaciais, e eu delirava quando os via. Pegava o livro várias vezes e perdia muito tempo olhando cada detalhe. Eu perguntava ao meu pai se era de verdade e ele confirmava, dizendo que realmente existia. Hoje vejo a arte e dou risada, mas na época me parecia muito real, ainda mais comparando todos os ambientes com o dos filmes. E nesses meus interesses meu pai começou a comprar pra mim tudo que saia nas bancas de jornal relacionado a dinossauros. Eu passava dias lendo todas as informações sobre habitat, fisionomia, nome científico, alimentação, regiões em que viviam, entre outras informações.

Certa vez ele foi contratado para fazer uma linha de dinossauros e acabou um dia os levando para faze-los em casa. Quando o vi fazendo a blocagem, que é o esboço da modelagem, comecei a dar opiniões sobre as poses que poderiam ficar legais. Meu pai então decidiu me dar massa para tentar fazer a blocagem de um dos dinossauros e no final acabei fazendo de todos. Claro que foi só um esboço somente das formas, e foi ele quem fez todos os detalhes da modelagem, mas podemos dizer que foi minha primeira participação profissional em uma linha de produtos comerciais fabricados em série.

(Wesley) Como foi sentir toda a responsabilidade de uma criação? Foi uma iniciativa sua, ou de seu pai?

Olha, nunca me prendi a isso e na verdade nem me lembro. No início o que eu mais queria era que os outros soubessem que era meu pai quem fazia. As vezes duvidavam e então eu mostrava as assinaturas nos bonecos. Depois eu queria falar que participava também, mas sempre associavam ao meu pai, até quando passei a fazer tudo sem a supervisão dele. Depois comecei a assinar com meu primeiro nome também, mas nessa fase eu já não fazia mais tanta questão que soubessem, pois entendi que quem tinha que me conhecer eram os fabricantes. E hoje entendo que é importante sim ser lembrado particularmente, mas muito mais em conjunto com meu pai. Se analisarmos bem a minha história é muito semelhante a do meu pai, a diferença é que ele batalhou muito pesquisando e desenvolvendo um método de trabalho. Eu estive por perto vendo isso tudo, mas sem ter ideia do que estava acontecendo, e hoje eu abri as portas aqui na empresa para a era digital. Mas pra mim, o início, os motivos e as consequências foram quase que as mesmas, e há muita tradição ligada a isso tudo.

(Wilson e Wesley) Sabemos que a empresa já desenvolveu inúmeros trabalhos. Mas existe algum em especial que marcou a vida de vocês?

Pensando friamente creio que nada diferente dos produtos que foram citados pelo meu pai. Da minha parte eu gostei muito dos trabalhos com personagens da Marvel Comics e os da Pixar. Agora o que sempre uso como exemplo da tradição da empresa e sucesso de produto é a Galinha Azul da Maggi. Ela é minha favorita e acho bem difícil alguém superá-la.

(Wilson e Wesley) A empresa trabalha com criações para presentear amigos, homenagear alguém, para pessoas que queiram sem intenção de comercio?

Trabalhamos sim, mas poucos acabam fazendo. Nosso processo envolve várias etapas e é demorado, o que acaba deixando mais caro em relação a outros métodos.

 

“Meus queridos amigos!

Agradeço toda cordialidade em nos ajudar a reconstruir a histórias e acontecimentos envolvendo “Os Trapalhões”. Assim como poder conhecer mais sobre a carreira de vocês, que para mim (Diego) é espetacular e inspiradora.

Não tenho palavras para agradecer por tudo!

Deus os abençoe sempre!!”

 

Diego Munhoz (Administrador e criador do site “ostrapalhões.net)